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Bolsonaro ganharia de Lula se a eleição fosse hoje

Uma cena descreve a situação atual do governo Lula: frango descendo ladeira. A situação econômica não melhora, os aliados começam a desembarcar, a base no Congresso se torna mais difícil de controlar e, pior, o governo não apresenta nenhuma solução concreta para sair do buraco em que se enfiou.

Diante desse cenário, a velha tática de distribuir programas sociais já não funciona mais como antes. A população que depende desses auxílios não vê mais aquilo como um presente do governo, mas sim como um direito adquirido. Ou seja, Lula pode inflar o Bolsa Família e criar novas bolsas, mas isso não garante que os eleitores vão continuar votando nele. Ainda mais quando os preços seguem nas alturas e a inflação corrói o poder de compra das pessoas.

A resposta do governo? Uma estratégia de comunicação desastrosa e uma tentativa de criar narrativas para desviar a culpa. O episódio mais ridículo foi a ação coordenada de influencers e parlamentares governistas para tentar responsabilizar os produtores rurais pela alta dos alimentos.

Os aliados do governo se mobilizaram para espalhar a tese de que os preços altos não são culpa da política econômica desastrosa de Lula, mas sim dos próprios produtores, que “jogam comida fora”. O ápice do absurdo foi um vídeo em que um influencer queridinho do governo reage à cena de uma uma mulher descartando dois chuchus. Influenciadores repetiram a narrativa, políticos embarcaram e até parte da imprensa governista tentou dar algum verniz de credibilidade à história.

Só que a tese não se sustenta e a operação de mídia teve pouco ou nenhum efeito sobre quem acha os preços altos no supermercado.

Lula está mais isolado do que nunca. E, diferente dos seus primeiros governos, não tem mais estrategistas competentes ao seu redor. No passado, ele contava com Antônio Palocci, Luiz Gushiken, Gilberto Carvalho e José Dirceu, que, goste-se ou não, sabiam articular politicamente. Agora, ele tem Gleisi Hoffmann e Janja.

O cenário eleitoral também não traz boas notícias. A pesquisa da Paraná Pesquisas aponta um quadro preocupante para o PT: em um eventual segundo turno contra Jair Bolsonaro, Lula já aparece numericamente bem atrás, com 40,2% contra 45,1% do ex-presidente. Perdeu nas urnas por um dedinho, agora perde uma mão cheia, cinco pontos. Também perde contra Michelle Bolsonaro e toma um suor do governador Tarcísio de Freitas.

Os aliados começaram a abandonar o barco. O advogado Kakay escreveu uma carta alertando que Lula está cercado por bajuladores. Paulinho da Força já reclamou. Kassab já criticou. E até Luísa Mell, ativista da causa animal e historicamente alinhada com pautas progressistas, se afastou.

Luísa Mell nunca foi uma figura ligada à política partidária, mas sempre teve trânsito no campo progressista, é uma referência na defesa mais estridente dos pets. Sua crítica a Lula veio após o presidente criticar o Ibama. Se até ela, que normalmente evita disputas ideológicas, fez questão de expor sua frustração, significa que o desgaste do governo extrapolou o campo da política tradicional.

A questão agora é: quem mais vai pular fora? E mais importante: quanto tempo até Lula decidir que precisa encontrar um bode expiatório dentro de casa? Quando ele perceber que sua popularidade não melhora, será que a culpa vai cair sobre Janja?

O tempo dirá, mas o cenário não é nada animador para o presidente. Lula já enfrentou crises antes, mas desta vez, ao contrário de outras ocasiões, ele não tem mais controle sobre a narrativa. O desgaste só aumenta e os próximos dois anos prometem ser difíceis.

Foto: André Borges / EFE.

Derrota Anunciada

Lula chegou pela terceira vez à Presidência da República embalado na rejeição colhida por Bolsonaro em várias frentes, porém, sobretudo durante a pandemia. Costumo dizer que Lula não venceu as eleições de 2022, mas Bolsonaro que perdeu, uma frase que explica muito da dinâmica daquela campanha. Quando miramos no cenário que se desenha para 2026, vemos Lula repetir os erros de Bolsonaro, colocando-se em especial posição para ser o derrotado pelas urnas, encerrando sua carreira política.

O Presidente chegou ao Planalto a bordo do que se convencionou chamar de “frente ampla”, ou seja, uma união de partidos, líderes e políticos de centro que no passado foram seus adversários, mas que diante do cenário, preferiram apoiar seu nome. Ao vencer, tinha tudo para construir um governo de coalizão e terminar sua vida política como uma liderança política reconhecida, mesmo que sob a sombra de seus erros e das comprovações de corrupção que envolvem seus governos, aliados e a si mesmo.

O caminho escolhido, entretanto, foi outro. Lula colocou em prática aquela forma já ultrapassada de fazer política, acrescentando pitadas de seus antigos vícios, abrindo um espaço demasiado grande para partidos pequenos e um feudo enorme para os petistas. O resultado, é claro, foi um governo disfuncional, sem base no Congresso Nacional, com políticas que se afastaram do centro, mostrando um governo torto, totalmente desconectado dos votos essenciais que lhe entregaram a vitória de 2022.

Esta dinâmica está exposta nas pesquisas de opinião. Atualmente Lula vive seu pior momento desde que assumiu a Presidência da República em 2003. Sua popularidade despencou para 24%, uma queda de 11 pontos em 2 meses, algo inédito. A reprovação de sua gestão também subiu, de 34% para 41%. Sua popularidade caiu 15 pontos entre os mais pobres e foi acentuada também no Nordeste. Tudo isso se torna ainda mais impactante quando 62% da população não deseja ver Lula como candidato à reeleição.

Em seu terceiro governo há um Lula ultrapassado, seja diante da tentativa de reeditar políticas antigas ou envelopar iniciativas superadas de outrora. Diante de novos desafios são necessárias novas estratégias e o governo parece parado no tempo, incapaz de enxergar uma política fiscal consistente, reduzir gastos públicos, controlar as críticas de um petismo atrasado que ainda vive preso nos anos 1980 e levar racionalidade para a máquina pública.

Além disso, Lula não tem o mesmo carisma do passado diante das massas, produz gafes em série e gera pouco efeito positivo. Isto ficou exposto na carta enviada pelo seu amigo, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro: “O Lula do 3° mandato, por circunstâncias diversas, políticas e principalmente pessoais, é outro. Não faz política. Está isolado. Capturado. Não tem ao seu lado pessoas com capacidade de falar o que ele teria que ouvir. Não recebe mais os velhos amigos políticos e perdeu o que tinha de melhor: sua inigualável capacidade de seduzir, de ouvir, de olhar a cena política”. O diagnóstico é preciso e irretocável.

Lula caminha para uma derrota anunciada, aquele que será vencido em 2026, independente de quem triunfe.

Foto: Patrícia de Melo Moreira / AFP.

A Estrela Decadente

Parece contraditório, mas o Partido dos Trabalhadores (PT) chegou ao poder pela quinta vez depois de atravessar um longo período de declínio. 

Seu candidato a presidente foi vitorioso na eleição de 2022, não pela força do partido, mas porque o desastre do governo anterior possibilitou a formação de uma ampla frente de oposição.

Certamente, mesmo em declínio, a força político-eleitoral do PT era ainda significativa; e seu candidato, Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo desgastado, não encontrava na oposição nenhum nome que com ele ombreasse em popularidade para enfrentar o então presidente Jair Messias Bolsonaro.

O PT e o presidente Lula não souberam, porém – passados já dois anos, metade do mandato –, aproveitar a reconquista da Presidência da República para recuperarem a força, simbolismo e prestígio que tiveram na aurora do partido. Pelo contrário, retornaram à rota de declínio. 

Todavia, se não é provável, também não é impossível que Lula seja reeleito em 2026; isto porque, se o governo Lula-PT é ruim, a oposição não deixa de ser também uma lástima. 

É tão desoladora a situação que, em lugar de um equilibrado centro-democrático, temos uma coisa chamada “centrão”, aglomerado fisiológico de parlamentares desvairados por dinheiro, o qual abocanham especialmente através de emendas secretas, semi secretas ou escandalosamente abertas.

A redemocratização

Há 45 anos – 1980 –, o Partido dos Trabalhadores nascia como uma estrela fulgurante para a esquerda brasileira, com grande força de atração e equivalente força de propulsão. 

O ambiente era propício para o surgimento de um novo partido de esquerda. A ditadura militar, ainda vigente, estava moribunda. 

Na verdade, não existia mais ditadura: a ‘Anistia Ampla, Geral e Irrestrita’ de 1979, promulgada pelo presidente General Figueiredo, tornara a redemocratização irreversível e as multidões ocupavam as ruas, sem enfrentar repressão, exigindo a realização de eleição para presidente da República, com a campanha das “Diretas já”

Se essa campanha não logrou vitória formal no Congresso Nacional, ao menos instituiu a democracia diretamente no espaço público: nas ruas, praças e botequins. Corria pelo Brasil uma verdadeira euforia democrática. 

Embora tenha derrubado a emenda das eleições diretas para presidente (emenda Dante de Oliveira), o Congresso Nacional viu-se forçado a caminhar para a eleição de um presidente da República civil, tendo o Colégio Eleitoral elegido, em janeiro de 1985, Tancredo Neves (que morreu antes da data da posse, o que levou à posse do vice-presidente eleito, José Sarney.

Lula e o PT

Gestado nesse contexto de lutas contra a ditadura militar brasileira e clima de redemocratização, o PT teve como suporte principal uma forte base sindical montada a partir do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, presidido pelo operário/torneiro mecânico (licenciado por acidente) Luiz Inácio da Silva (ainda sem o famoso apelido acrescido ao nome em cartório). 

A essa base vieram a se unir contingentes expressivos de diversos segmentos sociais contestatórios, com destaque para a esquerda remanescente das lutas estudantis de 1968 e guerrilheiros que sobreviveram aos “anos de chumbo”, assim como comunidades eclesiais de base da Igreja católica e o movimento estudantil, fortemente reativado por essa época.

Quando aconteceu a almejada eleição direta para presidente, em 1989, o PT já estava forte o suficiente para ir ao segundo turno. 

Leonel Brizola (PDT) era tido como favorito naquela eleição, mas cresciam o nome de Lula e de um jovem político de Alagoas, até pouco tempo nacionalmente desconhecido, chamado Fernando Collor de Mello.

Collor venceu, então, a primeira eleição presidencial pós-redemocratização, mas realizou um governo tão estúpido e desastroso que não demorou a ser afastado por impeachment. 

Como se sabe, a persistência petista levaria Lula a Presidência da República na eleição de 2002, quando derrotou José Serra (PSDB).

Petismo, lulismo e marxismo

Com a entrada trepidante de Lula no cenário nacional através da enorme repercussão das greves de fábricas no ABC paulista nos anos 1970, o fato de um operário ser alçado à condição de grande liderança fascinou a intelligentsia marxista brasileira. 

Ainda antes da fundação do Partido dos Trabalhadores, um enxame desses intelectuais passou a cercar o futuro presidente do PT e doutriná-lo com o extrato do pensamento de Marx, Engels e Lênin. 

Pouco afeito à leitura, Luiz Inácio não teria como compreender muito bem a complicadíssima ciência do materialismo histórico e dialético, mas o componente do autoritarismo leninista (bolchevismo) foi bem assimilado. 

É certo que Lula desenvolveu forte simpatia, apego e estima por ditaduras de esquerda; como são os casos notórios da ditadura de Cuba (desde os tempos de Fidel Castro) e da ditadura da Venezuela (desde os tempos de Hugo Chaves), dentre outras. 

Lula não apenas nutriu simpatia por tais regimes, como também os financiou generosamente durante o exercício dos seus passados mandatos.

Fora essa paixão ideológica por ditaduras, Lula é tido e havido como um político pragmático, capaz mesmo de fazer alianças espúrias para se dar bem. 

O dono do PT

Nas pesquisas que andei fazendo para reconstituir o histórico do PT, conversei com alguns militantes dos primórdios do partido, que participaram ativamente da sua fundação em algumas cidades do Nordeste e que tiveram cargos de direção em alguns diretórios estaduais e municipais. 

Explicaram-me eles que, naqueles tempos, havia democracia interna; a democracia partidária era a tônica. 

Lula era, naturalmente, uma liderança respeitada, mas muito longe de ser o autocrata que, segundo alguns ex-petistas com quem conversei, passou a submeter o partido ao seu inteiro talante. 

Como se diz e é comum em outros partidos brasileiros: hoje o PT tem dono. 

Um dos motivos pelo qual o governo Lula vai mal é esse: ele não conta com um partido no qual possa pensar coletivamente, discutir, aprimorar projetos e ideias ou encontrar quem salutarmente o questione. A única instância de discussão de Lula parece ser ele mesmo; e agora Janja.

A corrupção petista

Nos primeiro e segundo mandatos de Lula, o governo petista atolou-se em corrupção. Nos dois mandatos de Dilma Rousseff, o governo petista atolou-se mesmo na incompetência. 

O desastre do segundo mandato de Dilma levou ao seu impeachment. E é preciso frisar bem: foi um legítimo processo de impeachment que afastou a presidente Dilma, não foi um “golpe”, como apregoa a narrativa dos inconformados petistas; do mesmo modo que não foi golpe o impeachment de Collor de Mello.

A corrupção desencadeada nos primeiros governos de Lula geraram processos que o levaram à cadeia após julgamentos referendados pelo Supremo Tribunal Federal (STF); o mesmo Supremo que viria a libertá-lo, mudando suas interpretações e permitindo sua candidatura em nova eleição.

Sem entrar na análise dessas decisões erráticas do STF, fato é que somente um líder com grande carisma e popularidade poderia voltar ao poder, pelo voto, após tamanhos descaminhos.

Todavia, parece-me que Lula e seu partido vão chegando ao fim da linha. Lula, pelos descaminhos políticos e também pela idade. E o PT porque, ao deixar-se submeter à autocracia de Lula e insistir nas ideias autoritárias de uma esquerda que fede a mofo, tende a morrer com ele.

Lula e o Centrão

Lula, hoje, enquanto lida com o seu próprio partido com menosprezo e rigor de autocrata, submete-se, no Congresso Nacional, às artimanhas e chantagens do Centrão.

Os lulistas mais devotos tentam justificar essa pusilanimidade do presidente da República diante dos abusos da ala parlamentar fisiológica com a desculpa de que, sem isso, a governabilidade perece. 

Creio que o PT de outrora, de antes do primeiro mandato corrompido de Lula, teria ocupado as ruas para sustentar seu programa de esquerda, em vez de ceder às chantagens dos congressistas oportunistas de plantão. 

A velha esquerda e a nova esquerda

De um modo geral, a forma mais destacada da política brasileira, nos últimos anos, tem sido a lacração na internet. E esse é mais um motivo do declínio de Lula e do PT: ambos são analógicos. 

Na verdade, a esquerda brasileira é, em sua maioria, velha, analógica e melancólica. Penso que, nessa condição, estão alguns dos esquerdistas mais respeitáveis (nessa categoria de respeitáveis não incluo Lula, que é só velho e analógico; penso aqui em outras personalidades). 

Simpatizo um pouco com a velha esquerda romântica, desiludida e nostálgica, que lutou contra a ditadura, mas antipatizo profundamente com a nova esquerda que hoje faz barulho nas redes sociais. 

A nova esquerda é essa turma woke, identitária, extremista, fanática, meio demente, nutrida por uma estúpida ideologia anti-ocidental.

Enfim, entendo que o PT acabou e que o lulopetismo é uma política em fase de extinção. O que não me entristece. Entristece-me, porém, não ver algo de animador no horizonte. Até o momento, não consigo ver luz no fim do túnel; nem à esquerda, nem à direita. 

Lula é Kamala. Bolsonaro é Trump. E daí?

Se há algo que parece passar despercebido no calor das discussões políticas no Brasil, é a irrelevância absoluta das opiniões de Lula e Bolsonaro sobre as eleições dos Estados Unidos. Sim, isso mesmo: o que eles acham de Kamala Harris ou Donald Trump não tem impacto algum em Washington. Nenhum.

Vejamos o cenário atual. Lula, o presidente da República, declara seu apoio a Kamala como se isso fosse mover algum ponteiro na eleição norte-americana. Bolsonaro, fiel ao seu estilo, expressa abertamente seu apreço por Trump, como se os eleitores americanos estivessem ansiosos para saber o que ele pensa. Mas, honestamente, e daí? Não importa se o presidente do Brasil é fã de Kamala, Trump, ou até do Pato Donald. Lá nos Estados Unidos, isso é só ruído.

A questão é que o público brasileiro, ou pelo menos parte dele, parece incapaz de entender essa desconexão. Importamos o embate Lula versus Bolsonaro para dentro de temas internacionais como se isso fosse relevante para o eleitor norte-americano. A ilusão é de que, se um dos nossos líderes manifesta apoio a um candidato estrangeiro, ele realmente acredita estar influenciando alguma coisa. Não está. Essa dinâmica seria diferente se estivéssemos falando de um país vizinho, na América Latina. Um comentário do Brasil sobre a eleição argentina, ou mesmo paraguaia, poderia ter ressonância. Mas sobre uma potência como os Estados Unidos? É um jogo de aparências. E quem se ilude com ele é só o brasileiro.

Para ilustrar a inutilidade desse jogo, imagine se estivéssemos falando das eleições no Brasil, mas o apoio viesse de Angola. Digamos que o presidente angolano, João Lourenço, publicasse um vídeo apoiando Lula em nossa eleição presidencial. Isso mudaria o seu voto? É óbvio que não. E é óbvio que a opinião de Lula ou Bolsonaro sobre Trump ou Kamala não muda um único voto americano.

Ainda assim, seguimos nessa. Como se o mundo fosse acabar dependendo de quem ocupa a Casa Branca. “Kamala vai confiscar direitos, Trump vai erguer o muro”. Mas, vamos ser francos, o que realmente mudou quando Trump foi presidente? Ele tentou muita coisa, mas os guardrails da democracia americana, construídos e mantidos ao longo de duzentos anos, seguram qualquer um – até mesmo quem queira ou finja querer explodir o sistema. Nos EUA, o sistema é maior que o presidente. O Congresso, a Suprema Corte e as leis se mantêm intactos, segurando as rédeas da democracia. Algo que, convenhamos, não temos por aqui.

Aqui, no Brasil, a nossa democracia é frágil. Mudamos de Constituição como quem troca de roupa, o que coloca em perspectiva o quanto somos inconstantes em nossas “aventuras democráticas”. Nos EUA, há segurança estrutural. Lá, quem passa da linha, seja presidente ou peão, paga. O caso do Capitólio mostrou isso. Quem ousou desrespeitar o sistema foi punido e não foi um teatro para mostrar ao mundo “ficha limpa”. A punição foi para valer, sem essa história de salvar peixe grande e fazer show com os pequenos.

Mas, ainda assim, muitos aqui insistem em romantizar a eleição americana, como se tivéssemos que escolher lados e como se qualquer um dos lados fosse, de fato, nos representar. Sinto muito desapontá-los, mas o próximo presidente americano será irrelevante para nós. E não porque a política externa dos Estados Unidos é uma fantasia, mas porque, para eles, o que importa é o próprio sistema. Seja Trump, Kamala ou quem for, a democracia americana segue firme. Ela não precisa de salvadores; ela precisa de respeito ao que foi construído.

Então, meu conselho? Acompanhemos o show de camarote, mas sem apego emocional. No Brasil, há quem se emocione com tudo isso, com cada palavra de Lula ou Bolsonaro sobre política americana .Mas emoção, em política, nunca deu certo. E, para ser sincera, essa importação de brigas estrangeiras só serve para distrair do que realmente importa aqui.

Arquivo/Estadão Conteúdo - 20/10/2020

Crônica do fracasso anunciado da esquerda

A esquerda brasileira foi vastamente derrotada nas eleições municipais de 6 de outubro de 2024. Essa derrota já era esperada, pois vinha sendo construída abertamente pelo presidente da República e seu partido. Lula, autocrata do PT, domina de cabo a rabo a esquerda brasileira; podendo-se dizer que o rabo é constituído por minúsculos partidos de extrema-esquerda que acham ainda insuficiente o apoio de Lula ao ditador da Venezuela, muito discreta sua afeição ao tirano russo invasor da Ucrânia e tímida sua agressividade contra Israel.

O referido fracasso político-eleitoral no âmbito municipal indica para breve um novo e mais grave fracasso: Lula provavelmente não será reeleito e a tendência é que uma aliança democrática mais à direita eleja um novo presidente da República em 2026.

Não que a esquerda vá morrer – o que não seria nada saudável para uma democracia – mas a torcida da esquerda democrática deve ser para que a esquerda lulopetista se afogue no charco da sua própria irrelevância.

Antes de seguir na exposição da construção do fracasso anunciado da esquerda brasileira, convém uma rápida exposição – como que um gancho – da história da esquerda e do fracasso histórico do marxismo.

A promessa do paraíso e o inferno do poder

A Revolução Francesa de 1789 inaugurou duas amplas correntes políticas que, em recorrentes enfrentamentos mais ou menos agudos, passaram a dominar o cenário político internacional: “la gauche” (esquerda) e “la droite” (direita).

A esquerda é, portanto, anterior e bem mais ampla que o marxismo. Todavia, vendendo-se como ciência em uma época galvanizada pelo cientificismo, o marxismo avassalou a esquerda mundial desde o início do século 20 e, com a Revolução de 1917, na Rússia, avançou internacionalmente por meio de expansão imperialista da sua feição leninista-stalinista lá implantada ou por replicadas revoluções.

Em todo esse avanço, que chegou a dominar metade do mundo, o marxismo se sustentou na promessa de construção do paraíso na terra; tendo embora o cuidado de afirmar a necessidade de uma fase transitória infernal chamada de ditadura do proletariado. Tal ditadura – que nunca foi do proletariado, mas do partido marxista ocasionalmente no poder –, não conseguindo construir o prometido paraíso proletário, tratou de garantir o paraíso de poder dos dirigentes.

Autoritário desde sua elaboração teórica e desde suas primeiras ações na Liga Comunista e na Primeira Internacional Comunista – como denunciado pelo anarquista Bakunin, colega de Marx na Primeira Internacional –, o marxismo, quando vitorioso, quando colocado em prática, degenerou até a perversidade tirânica do leninismo-stalinismo.

A social democracia

Deve-se, no entanto, registrar que marxistas destacados repudiaram tais práticas autoritárias; como foi o caso do alemão Eduard Bernstein, que fez a primeira revisão do marxismo, e de Rosa Luxemburgo, que desde o início da implantação do regime leninista na Rússia o denunciou como sendo não uma ditadura do proletariado, mas uma ditadura sobre o proletariado.

Cabe também registrar que a Segunda Internacional (Internacional Socialista) – de origem marxista, que teve Engels entre seus fundadores – abandonou, a partir da revisão de Bernstein tanto o autoritarismo da fase de transição quanto a promessa do fim paradisíaco, deixando de lado o fanatismo revolucionário para defender os interesses dos trabalhadores no âmbito da democracia e do reformismo.

O fim é nada, o caminho é tudo”; essa frase, encontrada na obra de Monteiro Lobato, resume bem o ideário da esquerda reformista social-democrata. Creio que deva ser sempre relembrada, especialmente pelos inescrupulosos maquiavélicos que dizem que o fim justifica os meios.

Desmonte da Esquerda

As eleições municipais deixaram impressões muito claras sobre o rumo do eleitorado brasileiro. Talvez a mais importante tenha sido a desidratação dos partidos de esquerda, mostrando de forma clara que estas agremiações não foram capazes de realizar uma transição modernizadora de forma e conteúdo, tornando seu discurso algo que transita entre o ultrapassado e o obsoleto, incapazes de dialogar com o eleitor.

Em 1997, Tony Blair levou o Partido Trabalhista britânico ao poder depois de 18 anos. Sua leitura partia de uma refundação da esquerda inglesa, rompendo com as tradições sindicais ultrapassadas e um discurso que não se encaixava mais na realidade política e econômica do país. Seu movimento, batizado de “Novo Trabalhismo”, carregava a base teórica da “terceira-via”, desenhada por Anthony Giddens. A estratégia foi amplamente vencedora e o partido permaneceu no comando de Downing Street por 13 anos.

A esquerda brasileira ainda sente os efeitos da falta de uma leitura sobre os efeitos das manifestações de 2013 e suas consequências, que passam pelo choque promovido pela Lava Jato no coração do sistema, o impeachment de Dilma Rousseff e a eleição de Bolsonaro para o Planalto. Durante esta última década, o desgaste foi lento e gradual, sentido nas urnas e na clara falta de aderência de seu discurso diante da nova realidade do país. A eleição de Lula em 2022, mais do que uma vitória do petismo, foi uma derrota pessoal de Bolsonaro e isso não foi compreendido pela esquerda.

A ausência de uma troca geracional é um dos principais aspectos que impedem as forças de esquerda de se modernizar e voltar ao debate nacional como protagonistas. Sob Lula não floresceram novas lideranças, nomes de envergadura nacional com potencial de conduzir um processo de transição. Ao se manter como único nome, Lula deixou o grupo refém de sua figura política, além de impedir a modernização do discurso e das práticas necessárias para a manutenção da esquerda como um player relevante no debate nacional. 

O resultado está expresso nas urnas. O partido que dois anos atrás venceu as eleições presidenciais amargou apenas um 9º lugar com 253 prefeitos eleitos em 2024. É grande a chance do partido sair deste pleito sem eleger prefeito em nenhuma capital do país. Por mais que, para o petismo, esta eleição tenha sido levemente melhor do que 2020 em números absolutos, há uma forte curva descendente na esquerda. O PDT, por exemplo, enfrenta a maior queda entre os dez maiores partidos, caindo de 310 para 148 prefeitos. A participação das siglas de esquerda nos municípios caiu 13%.

Enquanto isso, os partidos de centro foram os maiores vencedores. Juntos, PSD, MDB, PP e União Brasil elegeram mais de 3.000 prefeitos no primeiro turno. Isso corresponde a 54% das cidades do país. Ao mesmo tempo, aqueles situados mais à direita, como PL e Republicanos foram os que mais cresceram. O PL ampliou em 49% o número de prefeitos, chegando a 523 e o Republicanos dobrou de tamanho, elegendo 441.

Se a esquerda não se reencontrar, recalibrar seu discurso, renovar suas lideranças e suas práticas, continuará a vender um conteúdo obsoleto para o país, algo já identificado pelo eleitor. Um caminho perigoso que tem potencial para tomar o comando do governo federal das mãos de Lula já nas próximas eleições. O aviso está dado. O desmonte da esquerda nunca foi tão claro. Se dobrarem a aposta, o tombo pode ser ainda maior.

O possível crime de antissemitismo do governo Lula

Por critério puramente ideológico, o governo brasileiro vetou uma licitação vencida com toda legitimidade por Israel. A denúncia foi feita pelo próprio ministro da Defesa do governo Lula que declarou, nesta terça-feira 9 de outubro: “Houve agora uma concorrência, uma licitação… Venceram os judeus, o povo de Israel, mas, por questão da guerra, do Hamas, os grupos políticos… Nós estamos com essa licitação pronta, mas, por questões ideológicas, nós não podemos aprovar”.

O ministro José Múcio não entrou em detalhes, mas se trata da compra de canhões que ficam acima de caminhões blindados e que as Forças Armadas do Brasil consideram de grande importância; daí o desabafo/denúncia do ministro da Defesa.

Outro detalhe que o ministro deixou de lado – ou não nomeou incisivamente – foi o aspecto possivelmente criminoso do veto; imposto, aparentemente, por motivo de ódio ideológico antissemita: no Brasil, de acordo com a Constituição de 1988, antissemitismo se inclui nos crimes de racismo.

A fala do ministro José Múcio é grave; precisa ser investigada na via judicial e levada em conta pelo Parlamento. Neste âmbito, já se adiantou o deputado Kim Kataguire, que pretende convocar o ministro da Defesa para dar explicações na Comissão de Fiscalização da Câmara.

A denúncia do veto a Israel foi a mais grave, mas não foi a única. Uma outra, talvez não criminosa, mas também prejudicial aos interesses brasileiro, refere-se ao veto a uma venda de munições de tanque para a Alemanha em 2023: “Temos uma munição no Exército que não usamos. Fizemos um grande negócio. Não faz, porque senão o alemão vai mandar pra Ucrânia e a Ucrânia vai usar contra a Rússia e a Rússia vai mexer nos nossos acordos de fertilizantes”, disse o ministro José Múcio.

A referida iniciativa do deputado Kim Kataguire de convocar o ministro de Lula para esclarecimentos foi seguida de outra semelhante pelo deputado Alfredo Gaspar, que nesta quarta-feira, 9, apresentou convite para ouvir José Múcio não só quanto à denúncia sobre o veto à licitação vencida por Israel, mas também sobre a venda de munições para a Alemanha.

Os nobres deputados, todavia, devem ter em mente que outro personagem – mais que ninguém envolvido nestes assuntos – deve ser convidado ou convocado para dar explicações: Celso Amorim, conselheiro do presidente Lula e ministro paralelo do Exterior. Foi Amorim quem orientou Lula quanto ao veto à licitação vencida por Israel, e tem longamente orientado Lula na amistosa relação entre o presidente brasileiro e o tirano imperialista invasor da Ucrânia.

Antiocidentalismo, antissemitismo e estupidez

O mundo está em guerra. A bem da verdade, nunca esteve em paz. Mas o leitor sabe do que estou falando. Há duas guerras em curso que têm mobilizado a política externa das principais potências europeias e dos Estados Unidos. 

Embora o Brasil seja insignificante no que tange à continuação ou ao fim da guerra no Oriente Médio e na Ucrânia, a postura do presidente Lula em relação a esses dois conflitos deixou bastante claro o seu pendor liberticida, seu apreço pela tirania, sua admiração por regimes fortes, ditatoriais e cruéis, seja ele representado na forma de uma teocracia fundamentalista islâmica, como é o caso do Irã com seus tentáculos terroristas, seja representado na forma de um pan eslavismo expansionista reacionário, como é o caso da Rússia.

A corrosão ideológica do terceiro governo Lula traz deformidades antigas como o antiocidentalismo e o antiamericanismo, acrescido de componentes idiossincráticos do mandatário e, como novidade, uma forma sui generis de antissemitismo mal disfarçado, escorado em um antissionismo desvairado e estridente. Por este aspecto, considere-se, a nova extrema esquerda presta à extrema direita um relevante serviço, arrebatando-lhe a identificação com o repugnante preconceito antissemita, tradicionalmente vinculado à extrema-direita nazista.

O antiocidentalismo da nova esquerda é um balaio cheio contrassenso. Por exemplo, desde a Revolução Francesa – quando o termo “esquerda” ganhou sua conotação política – todas as correntes esquerdistas propugnaram pelo progresso. O marxismo, representação máxima da esquerda desde o início do século 20, apresenta sua linha evolutiva da humanidade com foco no progresso da civilização europeia, que os revolucionários deveriam estender para o mundo todo.

Eis que os ideólogos antiocidentalistas pretendem agora que o progresso da humanidade dependa da condução de países os mais atrasados do mundo, como o Irã. Essa estupidez, parida por intelectuais do Ocidente, pretende que a primeira condição para a felicidade universal seja a destruição de toda a construção civilizatória de origem ocidental.

Nesse momento em que o Ocidente é ameaçado pela Rússia e pelo fundamentalismo islâmico, Ucrânia e Israel atuam como escudos para o mundo livre. Lula e Celso Amorim, porém, tenho denunciado insistentemente, optaram pela diplomacia do mal, fazendo do Brasil o idiota útil de tais regimes tirânicos. São traidores da pátria, atuam contra o interesse da nossa nação e do nosso povo. Bem sei que as instituições no Brasil são bastante frágeis, mas, como cidadã, não posso ter outra atitude senão exortar o parlamento a agir.

Venezuela de Maduro vira um vexame internacional para Lula

A atuação do presidente Lula na questão venezuelana fragilizou sua imagem internacionalmente. Ficou evidente que Lula não exerce a influência sobre Nicolás Maduro que muitos acreditavam. A ideia de que o Brasil, como o maior país da América Latina e tradicionalmente um líder regional, poderia mediar a crise na Venezuela foi desafiada pela realidade.

Desde o início, a relação entre Lula e Maduro foi marcada por controvérsias. A primeira eleição de Maduro, ocorrida após a morte de Hugo Chávez, já foi contestada internacionalmente. O próprio Lula gravou vídeos de apoio a Maduro na época, e publicitários que trabalharam nas campanhas do PT participaram diretamente da campanha venezuelana a pedido do presidente brasileiro. Essa eleição, assim como as subsequentes, foi cercada de acusações de fraude, mas Lula e seu governo continuaram a apoiar Maduro, mesmo com as crescentes evidências de que a democracia na Venezuela estava sendo corroída.

Hoje, a situação é ainda mais crítica. Maduro se mantém no poder à força, sem qualquer preocupação com sua reputação internacional. Suas declarações recentes, citando teorias conspiratórias e alegando que o empresário Elon Musk teria invadido as urnas eletrônicas, mostram que ele está mais preocupado em manter o controle pela repressão do que em preservar qualquer aparência de legitimidade.

A falta de influência de Lula sobre Maduro é um problema sério para a diplomacia brasileira. Enquanto Lula se apresenta como um grande líder regional e um possível mediador de conflitos globais, como na Ucrânia e Gaza, sua incapacidade de exercer qualquer influência real sobre Maduro expõe as limitações de sua liderança. O Brasil, que Lula prometeu “trazer de volta” ao cenário internacional, está se mostrando incapaz de resolver até mesmo as questões em seu “quintal”.

Essa situação é um vexame para o governo Lula, que agora tenta desesperadamente encontrar uma solução para a Venezuela, não por uma preocupação genuína com a democracia ou com o povo venezuelano, mas para salvar as aparências. A realidade é que a influência que o Brasil acreditava ter sobre Maduro nunca existiu, e a ausência dessa força está ficando cada vez mais evidente, prejudicando a imagem internacional de Lula e do Brasil.

Depois de esperar atas eleitorais que jamais chegarão, Lula assistiu outros países reconhecendo a derrota de Maduro e tentando uma mediação para a transferência do poder. Resolveu dar outra cartada, a ideia estapafúrdia de novas eleições. Acabou com duas piadas no colo. A primeira é se Lula pretende que a Venezuela faça novas eleições até ele e Maduro gostarem do resultado. A segunda é que ele, vencedor por menos de 1% nas urnas, deveria seguir o próprio conselho e fazer um tira-teima. Poderia ter dormido sem essa.

Lula e a “reeleição” de Maduro na Venezuela

A questão com Maduro representa o maior desafio diplomático que o governo Lula já enfrentou. A resposta de Lula à eleição de Maduro talvez não signifique muito para a Venezuela, onde a situação é complicada, mas é de extrema importância para o Brasil. A maneira como o governo Lula se posicionará indicará o que ele considera ser uma democracia.

É claro que muitos dirão que já sabiam, que Lula sempre demonstrou suas intenções. Mas a situação agora é diferente. Classificar situações diferentes como iguais é um erro, e precisamos evitar sermos dominados por políticos que se aproveitam dessa confusão. No momento, a questão é: o que o governo Lula fará?

Lula conseguiu enviar um emissário para observar as eleições na Venezuela, algo que outros líderes, como Boric, Milei e Lacalle Pou, não fizeram. Lula declarou que se esforçaria para que o processo fosse democrático. No entanto, se seu enviado disser que as eleições não foram democráticas, isso representará uma derrota gigantesca para Lula, colocando-o em uma sinuca de bico.

Até agora, o comunicado do Itamaraty afirmou que o processo foi pacífico, o que contradiz os relatos de prisões, desaparecimentos e mortes. Lula ainda está indeciso sobre qual caminho tomar. Se optar por apoiar Maduro, ele pode se alinhar às grandes ditaduras, mas isso terá um preço alto para o Brasil, incluindo consequências econômicas e políticas.

Os países ditatoriais enfrentam bloqueios e boicotes internacionais que afetam profundamente suas populações. Caso o Brasil se alinhe a essas ditaduras, a população brasileira também sofrerá as consequências, incluindo aqueles que fazem oposição ao governo.

Portanto, a declaração de Lula sobre a Venezuela é crucial para nós. Se ele aceitar a fraude eleitoral na Venezuela, isso indicará os movimentos futuros do Brasil. Não importará se você gosta ou não de Lula; todos nós estaremos nesse barco. A questão agora é: o povo brasileiro tem maturidade para pressionar o governo a não reconhecer como democrática uma eleição fraudada ou preferirá ver o circo pegar fogo apenas para dizer “eu avisei”?

Uma enorme falsificação está em curso

O conceito de extrema-direita está sendo usado para promover uma enorme falsificação. Quem for contra Lula, o PT e seu governo, é logo classificado como extrema-direita. Pior, quem for a favor da resistência ucraniana à invasão do ditador Putin e contra o terrorismo do Hamas é suspeito de ser de extrema-direita. Quem for contra o eixo autocrático (a articulação das ditaduras de Rússia, China, Irã e seus braços terroristas, Coréia do Norte, Síria, Cuba, Venezuela e Nicarágua) é olhado como extrema-direita. Quem for contra o BRICS e o “sul global” é acusado de ser de extrema-direita.

A extrema-direita está sendo construída como o inimigo universal e único, às vezes chamado de “internacional fascista”. Com isso se esconde as ameaças do eixo autocrático às democracias liberais e as alianças espúrias de quem promove essa falsificação com as maiores ditaduras do planeta.

Mas são duas – e não apenas uma – as principais ameaças globais contemporâneas à democracia liberal.

Sim, existe de fato uma ameaça de extrema-direita às democracias, juntando ditadores e populistas-autoritários que se articulavam ou se articulam no The Movement e no CPAC e em outras iniciativas. Dela participam ou participaram Putin, Grillo e Casalégio (5 Stelle), Salvini e Meloni, Le Pen, Orbán, Trump e Steve Bannon, o pessoal do Brexit, Wilders, Chrupalla, Weidel e Gauland, Abascal, Ventura, Bukele e Bolsonaro.

Mas ela não é a única ameaça, nem a mais forte, às democracias. Ditadores e neopopulistas de esquerda, articulados no BRICS e no “sul global”, são uma ameaça muito mais premente. Ela reúne ditadores como Putin (novamente), Xi Jinping, Kim Jong-un, Khamenei e a Guarda Revolucionária Iraniana, pelo menos treze grupos terroristas do Oriente Médio (com destaque para o Hamas e o Hezbollah), da Ásia, da África e da América Latina (Canel, Maduro, Ortega). Mas o mais grave é que a esse bloco se alinharam ou estão se alinhando neopopulistas como Kirchner, Funes, Zelaya, Lourenço, Obrador, Petro, Evo e Arce, Correa, Lula, Widodo e Subianto, e Ramaphosa. Esse eixo autocrático em ascensão é, objetivamente, o grande interessado na falsificação de dizer que a extrema-direita é o (único) inimigo universal.

Aliados ao eixo autocrático – sobretudo no Brasil, o PT, mas no plano global todos os que se denominam antifascistas – estão fazendo um carnaval com essa história do bicho-papão da “internacional fascista” de extrema-direita. Caberia perguntar-lhes: quer dizer que Kim Jong-un não é de extrema-direita? E Xi Jinping? E Vladimir Putin? E o aiatolá Khamenei? E o genocida Assad? E o Yahya Sinwar (Hamas)? E o Nasrallah (Hezbollah)? E o Canel, o Maduro e o Ortega? Não são, eles responderão. Afinal, todo esse pessoal é antifascista. Então tudo bem?

E que tal examinarmos os antifascistas presentes no BRICS? Ali não figura nenhuma democracia plena (segundo a The Economist Intelligence Unit 2023). Nenhuma democracia liberal (segundo o V-Dem 2024). Quais os regimes que comparecem nesse arranjo autoritário? Segundo o V-Dem 2024: Brasil – democracia eleitoral, flawed ou regime eleitoral parasitado por populismos; Rússia – autocracia eleitoral; Índia – autocracia eleitoral; China – autocracia fechada; África do Sul – democracia eleitoral, flawed ou regime eleitoral parasitado por populismo; Egito – autocracia eleitoral; Etiópia – autocracia eleitoral; Irã – autocracia eleitoral; Arábia Saudita – autocracia fechada; Emirados Árabes Unidos – autocracia fechada. E ainda querem colocar no bolo mais três ditaduras: Venezuela, Nicarágua e Síria.

Todo esse contingente, por ser antifascista, supostamente não ameaça a democracia? Ora, isso é uma falsificação grosseira. Se ditaduras não ameaçam a democracia, seremos obrigados a intercambiar os conceitos de ditadura e democracia. Quem sabe teremos de colocar os trinta regimes piores colocados no ranking do V-Dem 2024, classificados pelo Índice de Democracia Liberal (LDI), no topo da lista.

Quais são esses países? Em ordem de autocratização crescente são: Guiné, Catar, Irã, Uzbequistão, Emirados Árabes Unidos, Gaza, Haiti, Sudão do Sul, Azerbaijão, Rússia, Burundi, Cuba, Guiné Equatorial, Cambodja, Venezuela, Bareim, Síria, Iemem, Chade, Arábia Saudita, Sudão, Tadjiquistão, China, Belarus, Turcomenistão, Afeganistão, Nicarágua, Mianmar, Coréia do Norte, Eritreia. Vários desses, note-se, são países do eixo autocrático atualmente em guerra contra as democracias liberais.

E teremos de colocar no final da lista as cerca de trinta democracias liberais que restaram; a saber, em ordem de democratização decrescente: Dinamarca, Suécia, Estônia, Suíça, Noruega, Irlanda, Nova Zelândia, Finlândia, Costa Rica, Bélgica, Alemanha, França, República Checa, Austrália, Holanda, Luxemburgo, Chile, Reino Unido, EUA, Uruguai, Letônia, Espanha, Itália, Canadá, Islândia, Japão, Taiwan, Barbados, Butão, Coréia do Sul, Seicheles, Suriname.

Assim inverte-se tudo. Basta, para tanto, uma revisão dos conceitos. Tal revisionismo pode ser operado com quatro medidas:

Em primeiro lugar, reduzir democracia à cidadania ou à oferta estatal de bem-estar para o povo pobre (“casa, comida e roupa lavada” dispensadas por um governo popular) ou à luta pela redução das desigualdades socioeconômicas.

Em segundo lugar, avaliar que as mais avançadas democracias do planeta, as democracias plenas, as democracias liberais, são falsas democracias (“democracias burguesas” ou governos do “macho branco no comando”), regimes impostos pelas elites (classistas dominantes ou neocolonialistas) para estabilizar sua forma de dominação e continuar explorando o “terceiro mundo”; ou, agora, o “sul global”.

Em terceiro lugar estabelecer que a democracia não é um valor universal, mas ocidental e que, portanto, tanto faz uma ditadura ou uma democracia: a Rússia ou a Ucrânia, a China ou Taiwan, o Irã ou Israel.

Em quarto lugar, assumir que as autocracias são preferíves às democracias quando se colocam ao lado das grandes massas despossuídas do mundo contra o imperialismo norte-americano e o colonialismo europeu, que supostamente seriam as fontes de todo mal que assola a humanidade.