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Trump e o nó ucraniano

Os eleitores dos Estados Unidos deram uma vitória incontestável ao candidato republicano Donald Trump e ao movimento político que o cerca, conhecido pela sigla MAGA do slogan Make America Great Again usado pela primeira campanha de Trump. Em sua campanha Trump prometeu pacificar a Ucrânia no dia primeiro de sua gestão, descartando as hipérboles naturais de uma campanha eleitoral como se desenha, até o momento, a política do futuro governo para a Ucrânia.

É preciso ter em mente que a solução para a guerra na Ucrânia, ainda que negociada, não será uma reedição das conferências de Yalta e Potsdam nas quais os nascentes superpoderes decidiram os destinos de muitas nações ao findar da Segunda Guerra Mundial. E, qualquer construção negociada terá que balancear uma miríade de interesses alimentados por inúmeras correntes de opinião em cada um dos atores envolvidos. Em outras palavras, Trump e sua equipe terão que lidar com interesses internos de vários grupos nos EUA, com outros atores, incluindo aí, os aliados europeus e a China, além dos cálculos de Putin. E isso tudo sob forte escrutínio da imprensa, da opinião pública e das casas legislativas dos Estados Unidos.

Além de complexa, a situação ucraniana é dinâmica, ou seja, os interesses vão se adaptando aos movimentos dos atores e outras fontes de tensão extra-regional que influenciam e limitam a capacidade de ação dos envolvidos. A gestão Biden, por exemplo, teve dificuldade de implementar uma política de rápida ajuda militar para Ucrânia, uma vez que isso envolve o envio de equipamentos militares, em uso, ou da reserva das Forças Armadas Americanas, o que gera uma série de embaraços e reações no Congresso e na própria máquina burocrática.

A escassez de material bélico, por sua vez, propiciou a manutenção do lento e custoso, em termos de vidas humanas, avanço da Rússia e deu tempo para que o gigante eurasiático encontrasse maneiras de enfraquecer e subverter o isolamento internacional e as sanções. Construindo, por exemplo, seu acordo com a Coreia do Norte, para importação de armas e o envio de soldados.

Há relatos de múltiplas fontes sobre a concentração de forças russas na Ucrânia mostra que pode haver uma ofensiva russa de inverno, se as condições climáticas forem brandas, que deixa claro que para os russos a percepção é que um momento positivo nos esforços de guerra. No front interno a sociedade russa não dá sinais de inquietação e protestos massivos, mesmo com as elevadas perdas humanas e seu sistema econômico tem conseguido se manter funcionando. No contexto regional, a Europa não mostra sinais de compromisso em aumentar sua capacidade industrial bélica e todos esses fatores juntos apontam para uma Rússia, muito pouco disposta a negociar alguma resolução pacífica para a guerra.

O tema paz na Ucrânia tende a ocupar muito da agenda internacional do início de mandato de Trump e pode ser afetado por sua política comercial que tenciona aumentar tarifas dificultando as relações com aliados europeus e com a China, que muitos em seu movimento veem como o verdadeiro adversário estratégico dos EUA no mundo atual.

Diante desse cenário, não obstante uma eventual participação russa em fóruns, conferências e negociações bilaterais, esses esforços só obterão um acordo de paz, que preserve a independência ucraniana, se as circunstâncias pressionarem Putin a escolher a paz revertendo o cenário descrito acima, e esse é o nó que Trump precisa desatar.

Democracia sob Ataque

Como ponto mais alto da agenda política em 2024, a disputa pela Casa Branca deixou recados relevantes, sendo o mais importante delineado pela enorme polarização que tomou conta do país. A realidade vivida nos Estados Unidos não é diferente a qualquer outra nação democrática em tempos recentes e já passou do momento de avaliarmos quais mecanismos vem contribuindo para este movimento de corrosão da democracia.

O 5º relatório do centro de análise de ameaças da Microsoft (MTAC) do ciclo de eleições presidenciais de 2024 revelou que Rússia, Irã e China intensificaram esforços para interferir nas eleições americanas por meio de operações de influência online. O relatório fornece detalhes sobre o uso de vídeos aprimorados por inteligência artificial, desinformação em mídias sociais, ataques cibernéticos para atingir candidatos e mecanismos para interromper o processo eleitoral. Como podemos perceber, este não é um trabalho realizado por grupos isolados, mas por atores que agem em sinergia e sincronia para atingir seu objetivo.

Contas vinculadas à Rússia em plataformas como X, Telegram e YouTube têm espalhado alegações falsas, incluindo vídeos, como aquele gerado por IA acusando Kamala Harris de caçar ilegalmente animais ameaçados de extinção na Zâmbia. Também circularam deepfakes da democrata zombando de uma tentativa de assassinato de Donald Trump e alegações infundadas de abuso sexual contra seu companheiro de chapa, Tim Walz. Como podemos perceber, são conteúdos fortes, com acusações graves que fogem aos parâmetros conhecidos de ataques de uma campanha política.

Grupos iranianos, se passando por americanos, procuraram encorajar eleitores a boicotar a eleição como forma de protesto contra o apoio dos EUA a Israel. Além disso, atores cibernéticos iranianos ligados ao Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica conduziram reconhecimento cibernético em sites eleitorais de estados indecisos no início deste ano e tiveram como alvo os principais veículos de comunicação dos EUA. Um processo meticuloso e calculado com o objetivo de desacreditar o sistema eleitoral.

Grupos de trolls ligados à China concentraram seus esforços de desinformação em candidatos republicanos que criticaram o Partido Comunista Chinês. Os senadores republicanos Marco Rubio e Marsha Blackburn, juntamente com os deputados, também republicanos, Barry Moore e Michael McCaul, foram alvos de falsas acusações de corrupção. McCaul enfrentou falsas acusações de uso de informação privilegiada e abuso de poder, especialmente após sua viagem a Taiwan, levando-o à lista negra do governo chinês. Marsha Blackburn, que lançou um anúncio de campanha mostrando-a “quebrando a China” para salvar os EUA, foi falsamente associada a doações eleitorais de fabricantes de opioides – uma operação realizada por robôs diretamente da China.

Este é um processo que certamente não está restrito aos Estados Unidos. O ataque de regimes autocráticos e autoritários ao redor do mundo com objetivo de enfraquecer e controlar democracias é denso, profundo e perigoso. Estamos diante de um mecanismo que opera nas sombras para manipular a opinião pública, destruir reputações e desacreditar sistemas eleitorais de forma direta e indireta. Certamente a beligerância e polarização encontradas em democracias como Brasil e agora os EUA não são mera coincidência. Enquanto a democracia estiver sob ataque, a nossa liberdade corre sérios riscos.

O Encolhimento da População: Desafio Mundial

Para _baby boomers_ como eu, que cresceram lendo nos jornais ou ouvindo os comentaristas da TV vaticinarem que a “explosão demográfica” representaria a maior ameaça ao futuro da civilização — comparável ou quiçá mais tenebrosa que uma guerra nuclear —, o recente artigo do demógrafo e economista americano Nicholas Eberstadt em _National Affairs_ (novembro/dezembro de 2024) soa como uma retumbante ‘implosão’….

Segundo Eberstadt, pela primeira vez na história da humanidade desde a Peste Negra do século XIV, “a população do planeta irá declinar” (o número de óbitos superando o de nascimentos). Só que agora não mais por causa de uma doença mortal transmitida pelas pulgas que infestam os ratos, mas, sim, em razão de “escolhas” humanas.

A nova tendência de despovoamento do mundo segue-se a um longo e impressionante período de crescimento populacional: nos 700 anos posteriores à Peste Negra a população da Terra se multiplicou por 20, tendo quadriplicado no século passado. Agora, sociedades e governos precisam correr contra o relógio para adaptar suas políticas a um contexto de acelerado encolhimento (e envelhecimento) demográfico.

Olhando no retrovisor da história contemporânea, a ‘explosão’ que inquietava nossos pais e avós se devia menos ao aumento do número  de nascimentos por mulher (“taxa de fertilidade”) do que à melhora das condições gerais de higiene e saúde, o que reduziu drasticamente os índices de mortalidade infantil e esticou as expectativas de vida mesmo nos países subdesenvolvidos.

Dos anos 1960 em diante, então, a fertilidade mundial simplesmente despencou. Em 2015, a fertilidade planetária já era a metade da de 1965, fenômeno verificado em praticamente todos os países. Hoje, a imensa maioria dos seres humanos vive em países cuja taxa de fertilidade é inferior ao nível mínimo de reposição populacional (2,1 filhos por mulher nas nações desenvolvidas, ou um pouco mais do que isso naquelas mais pobres, caracterizadas por maior mortalidade infantil ou evidentes desequilíbrios entre os números de meninos e meninas).

Sempre de acordo com os dados coligidos por Eberstadt, em 2019, pouco antes da pandemia da Covid19, dois terços da população global viviam em países cuja taxa de fertilidade se situava abaixo do nível de reposição. Mais recentemente, essa tendência ganhou ainda mais velocidade.

Na Ásia do Pacífico, outrora um caldeirão fervilhante em matéria de crescimento demográfico, hoje, o Japão está 40% abaixo da taxa de reposição; a China, 50%, Taiwan, 60%; e a Coreia do Sul, 65%. Na Tailândia, o número de óbitos já supera o de nascimentos. A Índia, atualmente com a maior população do planeta, também registra significativo declínio de  fertilidade, assim como seus vizinhos Nepal, Sri Lanka (Ceilão) e Bangladesh.

A China, que recentemente perdeu o campeonato demográfico mundial para a Índia, deverá ter sua atual população de 1,4 bilhão de habitantes reduzida à metade daqui a meio século.

Na América Latina, a mesma coisa. Em cidades como Bogotá, capital da Colômbia, e a capital do México, a fertilidade já é inferior a um nascimento por mulher. Enquanto isso, em Cuba (1,1% de fertilidade), o número de mortes já supera o de partos. No Uruguai e no Chile, as taxas de fertilidade são de 1,3% e 1,1%, respectivamente.

Até mesmo no Norte da África e no Oriente Médio, a queda da fertilidade desafia as exortações pró-natalistas do Islã. Em Istambul, na Turquia, a taxa de 1,2 filho por mulher é inferior à de Berlim.

Rússia: desde a queda do comunismo, já houve 17 milhões de óbitos a mais que nascimentos. Em média, os países membros da União Europeia estão 30% abaixo do nível de reportagem (em 2022, a proporção foi de quatro mortes para cada três nascimentos). No mundo rico, os Estados Unidos sobressaem por uma taxa de fertilidade comparativamente elevada: 1,6 bebê por mãe no ano passado. Ainda assim, o birô do censo projeta para o ano de 2080 o início de um contínuo declínio da população americana.

A única exceção à essa tendência global de encolhimento demográfico é a África ao sul do Saara (em média 4,3 filhos por mulher). Contudo, lá também a taxa de fertilidade está 35% abaixo daquela registrada no final da década de 1970.

Se atualmente um quarto do planeta já enfrenta declínio populacional, computando um número de óbitos superior ao de nascimentos, não demorará para que o restante do mundo siga no mesmo rumo.

Variados são os fatores explicativos desse generalizado fenômeno: acesso ampliado aos métodos contraconceptivos, aumento do nível educacional/redução do analfabetismo, crescente incorporação das mulheres ao mercado de trabalho. Mas, até mesmo, nos países menos desenvolvidos, a tendência à despopulação se faz presente: Myanmar (antiga Birmânia) e o Nepal já estão abaixo do nível de reposição. Subjacentemente a tudo isso, como assinala Eberstadt referindo-se à descoberta do economista americano Lant Pritchett, um fator ainda mais fundamental: a opção das mulheres por menos filhos, ou mesmo por nenhum, não importa o que pensem ou queiram seus parceiros ou familiares.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a mulher se situa na  vanguarda de um novo estilo de vida que, em escala mundial, privilegia a autonomia,  a autorrealização acadêmico-profissional, a maternidade ou paternidade  tardia e a preferência de muitas pessoas por se manterem ‘descasadas’, acentuando o declínio de tradicionais valores e normas religiosos e comunitários.

Eberstadt reconhece que são grandes e complexos os desafios de um mundo menos populoso e mais idoso. Um mundo que contará com cada vez menos trabalhadores empresários e inovadores e cada vez mais aposentados, pensionistas e pessoas dependentes de assistência social. Há vinte anos, menos de 425 milhões pessoas em todo o mundo tinham alcançado os 65 anos de idade; daqui a 25 anos, ou menos, esse mesmo número de habitantes do planeta terá 80 anos! Em 2050, a previsão para a Coreia do Sul é de que o país terá três óbitos para cada nascimento; no mínimo, um sexto da população estará com 80 anos de idade ou mais; e haverá 1,2 pessoa em idade de trabalhar para cada idoso.

Esses encargos se afigurarão ainda mais pesados para aqueles países que até hoje não acumularam riqueza suficiente para financiar a avalanche de despesas com bem-estar social. Envelhecerão sem terem se tornado prósperos….

Os deslocamentos geopolíticos condicionados pelo novo panorama demográfico tampouco podem ser desconsiderados. Para ficar num único exemplo, como China, Rússia, Irã e, provavelmente também, a Coreia do Norte, hoje empenhadas em consolidar um eixo de contestação à hegemonia global dos Estados Unidos, poderão concretizar suas ambições a longo prazo se enfrentam profunda e acelerada retração populacional?

Apesar de tudo, Eberstadt conclui seu ensaio numa chave de otimismo moderado e realista. Ao menos, ele acredita que grande parte dos políticos e tecnocratas do mundo inteiro já sabem o que precisam fazer. Por toda parte, os sistemas previdenciários deverão ser reformados, de maneira a prolongar o tempo das pessoas no mercado de trabalho e retardar sua aposentadoria; as estruturas de incentivos (principalmente a tributação) terão que mudar a fim de privilegiar a poupança e o investimento a longo prazo; as famílias, cada vez menores e mais atomizadas, necessitarão contar com suporte do Estado e da comunidade a fim de assegurar conforto e dignidade aos seus idosos; políticas de imigração requererão alterações profundas para garantir suprimento suficiente de capital humano àquelas nações cujo funcionamento econômico estará comprometido pelo predomínio de idosos sem condições de permanecer na força de trabalho.

Acima de tudo, uma macrotransição demográfica capaz de evitar o agravamento das desigualdades e da pobreza em escala global demandará o compromisso de governantes e governados do mundo inteiro com o aumento da produtividade do trabalho (melhorar quantitativa e qualitativamente a produção de bens e serviços por trabalhador, num contexto de baixa disponibilidade de mão de obra). E a chave para esse futuro é uma educação de qualidade, estimuladora da curiosidade, da criatividade, do talento, da iniciativa e da cooperação das crianças e dos jovens — recursos humanos cada vez mais escassos e preciosos. Infelizmente, muitos sistemas escolares, sobretudo em economias   de renda média (a exemplo do Brasil) ou baixa, ainda não conseguem transmitir e fomentar  competências básicas, como a habilidade de ler, escrever e fazer cálculos. Para essas nações, portanto, o futuro de despovoamento e envelhecimento se traduz num cenário sombrio e ameaçador.

Arquivo/Estadão Conteúdo - 20/10/2020

Crônica do fracasso anunciado da esquerda

A esquerda brasileira foi vastamente derrotada nas eleições municipais de 6 de outubro de 2024. Essa derrota já era esperada, pois vinha sendo construída abertamente pelo presidente da República e seu partido. Lula, autocrata do PT, domina de cabo a rabo a esquerda brasileira; podendo-se dizer que o rabo é constituído por minúsculos partidos de extrema-esquerda que acham ainda insuficiente o apoio de Lula ao ditador da Venezuela, muito discreta sua afeição ao tirano russo invasor da Ucrânia e tímida sua agressividade contra Israel.

O referido fracasso político-eleitoral no âmbito municipal indica para breve um novo e mais grave fracasso: Lula provavelmente não será reeleito e a tendência é que uma aliança democrática mais à direita eleja um novo presidente da República em 2026.

Não que a esquerda vá morrer – o que não seria nada saudável para uma democracia – mas a torcida da esquerda democrática deve ser para que a esquerda lulopetista se afogue no charco da sua própria irrelevância.

Antes de seguir na exposição da construção do fracasso anunciado da esquerda brasileira, convém uma rápida exposição – como que um gancho – da história da esquerda e do fracasso histórico do marxismo.

A promessa do paraíso e o inferno do poder

A Revolução Francesa de 1789 inaugurou duas amplas correntes políticas que, em recorrentes enfrentamentos mais ou menos agudos, passaram a dominar o cenário político internacional: “la gauche” (esquerda) e “la droite” (direita).

A esquerda é, portanto, anterior e bem mais ampla que o marxismo. Todavia, vendendo-se como ciência em uma época galvanizada pelo cientificismo, o marxismo avassalou a esquerda mundial desde o início do século 20 e, com a Revolução de 1917, na Rússia, avançou internacionalmente por meio de expansão imperialista da sua feição leninista-stalinista lá implantada ou por replicadas revoluções.

Em todo esse avanço, que chegou a dominar metade do mundo, o marxismo se sustentou na promessa de construção do paraíso na terra; tendo embora o cuidado de afirmar a necessidade de uma fase transitória infernal chamada de ditadura do proletariado. Tal ditadura – que nunca foi do proletariado, mas do partido marxista ocasionalmente no poder –, não conseguindo construir o prometido paraíso proletário, tratou de garantir o paraíso de poder dos dirigentes.

Autoritário desde sua elaboração teórica e desde suas primeiras ações na Liga Comunista e na Primeira Internacional Comunista – como denunciado pelo anarquista Bakunin, colega de Marx na Primeira Internacional –, o marxismo, quando vitorioso, quando colocado em prática, degenerou até a perversidade tirânica do leninismo-stalinismo.

A social democracia

Deve-se, no entanto, registrar que marxistas destacados repudiaram tais práticas autoritárias; como foi o caso do alemão Eduard Bernstein, que fez a primeira revisão do marxismo, e de Rosa Luxemburgo, que desde o início da implantação do regime leninista na Rússia o denunciou como sendo não uma ditadura do proletariado, mas uma ditadura sobre o proletariado.

Cabe também registrar que a Segunda Internacional (Internacional Socialista) – de origem marxista, que teve Engels entre seus fundadores – abandonou, a partir da revisão de Bernstein tanto o autoritarismo da fase de transição quanto a promessa do fim paradisíaco, deixando de lado o fanatismo revolucionário para defender os interesses dos trabalhadores no âmbito da democracia e do reformismo.

O fim é nada, o caminho é tudo”; essa frase, encontrada na obra de Monteiro Lobato, resume bem o ideário da esquerda reformista social-democrata. Creio que deva ser sempre relembrada, especialmente pelos inescrupulosos maquiavélicos que dizem que o fim justifica os meios.

Foto: Natalia KOLESNIKOVA AFP.

Imperialismo Autoritário

O imperialismo é um conjunto de ideias, medidas e mecanismos que, sob determinação de um país, procuram efetivar políticas de expansão, domínio territorial, econômico ou cultural sobre outras regiões geográficas. Apesar do conceito de imperialismo, derivado de uma prática assente na teoria econômica, ter somente surgido no início do século XX, sua prática é recorrente ao longo dos séculos por muitas nações, civilizações e mais recentemente por Estados-nação.

Existem alguns países que possuem o imperialismo como elemento norteador de suas ações, um verdadeiro traço de suas personalidades como nação. Este elemento está claramente presente no pivot da Ásia, a Rússia, que ao longo dos séculos foi palco de políticas expansionistas. É possível identificar este elemento no domínio soviético em países da Ásia Central e do Leste da Europa, tornando-se suas repúblicas. Em tempos mais recentes, este elemento está presente na tentativa de domínio econômico, político e cultural dos mesmos países, agora independentes, atingindo seu ápice com a invasão territorial da Ucrânia ordenada pelo Kremlin.

O imperialismo também sempre foi presente na Ásia, seja na Mongólia, o maior império de terras contíguas da história, mas passando também pelo Império Khmer, atualmente o Camboja, pela ascensão do poderio nipônico na expansão e domínio do Japão pelo continente e mais recentemente em escala local e global pela China, que passou a ser governada pelo Partido Comunista desde a Guerra Civil que terminou em 1949, levando o antigo líder, Chiang Kai-shek, a viver no exílio, em uma ilha conhecida como Taiwan.

Assim como a Rússia, que ainda sente o gosto amargo do fim do império soviético, quando possuía duas dezenas de repúblicas, hoje países independentes, na sua esfera de influência e domínio, a China também custa a aceitar a realidade de que ao longo de décadas Taiwan se tornou um país independente. Pequim se expandiu para o Tibete e outras regiões da península asiática, porém jamais conseguiu controlar Taiwan, um desejo antigo que mexe com as placas tectônicas da geopolítica internacional.

Isso se explica porque Taiwan se tornou um país independente de fato e de direito ao longo dos anos, adotando todos os passos necessários para firmar-se como economia relevante, parceiro comercial confiável, uma democracia plena e centro vibrante na área de inovação e tecnologia, com índices altíssimos de educação. O país que produz hoje cerca 66% da produção mundial de chips, com 56% destes semicondutores saindo da lavra da TSMC, possui em torno de si um chamado “escudo de silício” que o protege, uma vez que um abalo econômico causado por uma guerra na região seria algo devastador para a economia de todo o planeta.

O imperialismo tornou-se um risco no atual plano das relações internacionais, pois tem sido usado de forma sistemática por regimes antidemocráticos para consolidar e ampliar o poder de líderes autoritários. Os casos são vários e começam pelos aqui já citados, ou seja, pelo avanço da Rússia pela Ucrânia, das ameaças chinesas em direção a Taiwan, porém também nas ameaças da Venezuela à Guiana, do expansionismo iraniano no Oriente Médio, da instabilidade causada pela Coréia do Norte em direção ao Seoul. O gene do autoritarismo, uma prática que se tornou popular em tempos recentes, carrega consigo os riscos do imperialismo, colocando o mundo em situação cada vez mais instável e perigosa em tempos recentes.

Uma enorme falsificação está em curso

O conceito de extrema-direita está sendo usado para promover uma enorme falsificação. Quem for contra Lula, o PT e seu governo, é logo classificado como extrema-direita. Pior, quem for a favor da resistência ucraniana à invasão do ditador Putin e contra o terrorismo do Hamas é suspeito de ser de extrema-direita. Quem for contra o eixo autocrático (a articulação das ditaduras de Rússia, China, Irã e seus braços terroristas, Coréia do Norte, Síria, Cuba, Venezuela e Nicarágua) é olhado como extrema-direita. Quem for contra o BRICS e o “sul global” é acusado de ser de extrema-direita.

A extrema-direita está sendo construída como o inimigo universal e único, às vezes chamado de “internacional fascista”. Com isso se esconde as ameaças do eixo autocrático às democracias liberais e as alianças espúrias de quem promove essa falsificação com as maiores ditaduras do planeta.

Mas são duas – e não apenas uma – as principais ameaças globais contemporâneas à democracia liberal.

Sim, existe de fato uma ameaça de extrema-direita às democracias, juntando ditadores e populistas-autoritários que se articulavam ou se articulam no The Movement e no CPAC e em outras iniciativas. Dela participam ou participaram Putin, Grillo e Casalégio (5 Stelle), Salvini e Meloni, Le Pen, Orbán, Trump e Steve Bannon, o pessoal do Brexit, Wilders, Chrupalla, Weidel e Gauland, Abascal, Ventura, Bukele e Bolsonaro.

Mas ela não é a única ameaça, nem a mais forte, às democracias. Ditadores e neopopulistas de esquerda, articulados no BRICS e no “sul global”, são uma ameaça muito mais premente. Ela reúne ditadores como Putin (novamente), Xi Jinping, Kim Jong-un, Khamenei e a Guarda Revolucionária Iraniana, pelo menos treze grupos terroristas do Oriente Médio (com destaque para o Hamas e o Hezbollah), da Ásia, da África e da América Latina (Canel, Maduro, Ortega). Mas o mais grave é que a esse bloco se alinharam ou estão se alinhando neopopulistas como Kirchner, Funes, Zelaya, Lourenço, Obrador, Petro, Evo e Arce, Correa, Lula, Widodo e Subianto, e Ramaphosa. Esse eixo autocrático em ascensão é, objetivamente, o grande interessado na falsificação de dizer que a extrema-direita é o (único) inimigo universal.

Aliados ao eixo autocrático – sobretudo no Brasil, o PT, mas no plano global todos os que se denominam antifascistas – estão fazendo um carnaval com essa história do bicho-papão da “internacional fascista” de extrema-direita. Caberia perguntar-lhes: quer dizer que Kim Jong-un não é de extrema-direita? E Xi Jinping? E Vladimir Putin? E o aiatolá Khamenei? E o genocida Assad? E o Yahya Sinwar (Hamas)? E o Nasrallah (Hezbollah)? E o Canel, o Maduro e o Ortega? Não são, eles responderão. Afinal, todo esse pessoal é antifascista. Então tudo bem?

E que tal examinarmos os antifascistas presentes no BRICS? Ali não figura nenhuma democracia plena (segundo a The Economist Intelligence Unit 2023). Nenhuma democracia liberal (segundo o V-Dem 2024). Quais os regimes que comparecem nesse arranjo autoritário? Segundo o V-Dem 2024: Brasil – democracia eleitoral, flawed ou regime eleitoral parasitado por populismos; Rússia – autocracia eleitoral; Índia – autocracia eleitoral; China – autocracia fechada; África do Sul – democracia eleitoral, flawed ou regime eleitoral parasitado por populismo; Egito – autocracia eleitoral; Etiópia – autocracia eleitoral; Irã – autocracia eleitoral; Arábia Saudita – autocracia fechada; Emirados Árabes Unidos – autocracia fechada. E ainda querem colocar no bolo mais três ditaduras: Venezuela, Nicarágua e Síria.

Todo esse contingente, por ser antifascista, supostamente não ameaça a democracia? Ora, isso é uma falsificação grosseira. Se ditaduras não ameaçam a democracia, seremos obrigados a intercambiar os conceitos de ditadura e democracia. Quem sabe teremos de colocar os trinta regimes piores colocados no ranking do V-Dem 2024, classificados pelo Índice de Democracia Liberal (LDI), no topo da lista.

Quais são esses países? Em ordem de autocratização crescente são: Guiné, Catar, Irã, Uzbequistão, Emirados Árabes Unidos, Gaza, Haiti, Sudão do Sul, Azerbaijão, Rússia, Burundi, Cuba, Guiné Equatorial, Cambodja, Venezuela, Bareim, Síria, Iemem, Chade, Arábia Saudita, Sudão, Tadjiquistão, China, Belarus, Turcomenistão, Afeganistão, Nicarágua, Mianmar, Coréia do Norte, Eritreia. Vários desses, note-se, são países do eixo autocrático atualmente em guerra contra as democracias liberais.

E teremos de colocar no final da lista as cerca de trinta democracias liberais que restaram; a saber, em ordem de democratização decrescente: Dinamarca, Suécia, Estônia, Suíça, Noruega, Irlanda, Nova Zelândia, Finlândia, Costa Rica, Bélgica, Alemanha, França, República Checa, Austrália, Holanda, Luxemburgo, Chile, Reino Unido, EUA, Uruguai, Letônia, Espanha, Itália, Canadá, Islândia, Japão, Taiwan, Barbados, Butão, Coréia do Sul, Seicheles, Suriname.

Assim inverte-se tudo. Basta, para tanto, uma revisão dos conceitos. Tal revisionismo pode ser operado com quatro medidas:

Em primeiro lugar, reduzir democracia à cidadania ou à oferta estatal de bem-estar para o povo pobre (“casa, comida e roupa lavada” dispensadas por um governo popular) ou à luta pela redução das desigualdades socioeconômicas.

Em segundo lugar, avaliar que as mais avançadas democracias do planeta, as democracias plenas, as democracias liberais, são falsas democracias (“democracias burguesas” ou governos do “macho branco no comando”), regimes impostos pelas elites (classistas dominantes ou neocolonialistas) para estabilizar sua forma de dominação e continuar explorando o “terceiro mundo”; ou, agora, o “sul global”.

Em terceiro lugar estabelecer que a democracia não é um valor universal, mas ocidental e que, portanto, tanto faz uma ditadura ou uma democracia: a Rússia ou a Ucrânia, a China ou Taiwan, o Irã ou Israel.

Em quarto lugar, assumir que as autocracias são preferíves às democracias quando se colocam ao lado das grandes massas despossuídas do mundo contra o imperialismo norte-americano e o colonialismo europeu, que supostamente seriam as fontes de todo mal que assola a humanidade.

Uma escalada perigosa

Os ataques usando mísseis e drones feitos pelo Irã contra Israel em resposta a morte de Mohammed Reza Zahedi, alto oficial da Guarda Revolucionária Iraniana, morto em uma explosão no consulado iraniano em Damasco, cuja autoria é atribuída a Israel, por autoridades do país persa, inauguram uma nova fase do conflito na região, este é o primeiro ataque militar do Irã ao solo de Israel e mostra que o país persa está mais altivo na persecução de seus objetivos estratégicos, e mais confiante em sua capacidade de se defender da reação militar de Israel e realizar novos ataques.

O Irã mantinha um padrão de enfrentar Israel usando prepostos, ou seja, armando e treinando outros entes, sobretudo Hamas e Hezbollah. Foram cerca de 300 projéteis disparados contra Israel, sendo estimado que 170 desses fossem aeronaves não tripuladas de emprego único e 130 mísseis balísticos. Jordânia e Arábia Saudita atuaram para interceptar os mísseis e drones, que também foram interceptados pelas Forças de Defesa de Israel.

Era esperado que haveria retaliação iraniana pela morte do líder da Guarda Revolucionária, a novidade é a intervenção direta do Irã ao invés de usar sua rede de organizações aliadas. O que pode ser lido como o marco do programa nuclear iraniano ter conseguido uma massa crítica suficiente e uma rede de apoio envolvendo China e Rússia que minimiza a capacidade israelense de responder ao Irã, aliás a resposta moderada mostra uma complicação do cenário. 

Os ataques iranianos também solidificam a posição dos EUA em prol da defesa de Israel e baixam a capacidade desse ator de manobrar por um cessar-fogo em Gaza. É interessante notar os próximos passos de atores regionais relevantes, como Emirados Árabes Unidos e Jordânia, bem como potenciais globais como China e Rússia, cada um desses com uma série de interesses em múltiplos tabuleiros.

O Irã mostrou capacidade de atingir Israel, ainda que o Domo de Ferro e a coalizão informal com os países do golfo tenham minimizado o impacto do ataque. É preciso levar em conta que a divisão do gabinete israelense e forte escrutínio que a campanha em Gaza tenha contribuído nos cálculos iranianos, por que foram fatores que em conjunto a contextos geopolíticos mais amplos agiram para temperar a resposta israelense.

A operação militar prolongada e em larga escala na Faixa de Gaza tem consequências econômicas e sociais para Israel e um novo front pode complicar ainda mais essa situação e pode escalar as operações para o norte de Israel.

Muitas dúvidas ainda permanecem, mas podemos ter certeza que o jogo no Oriente Médio está ainda mais complicado e muito mais perigoso.

Ocidente livre condena o Irã. O Brasil torna-se cúmplice

Israel está sob ataque. Isso significa que a sociedade livre, configurada dentro dos parâmetros civilizacionais, norteada pelos direitos humanos e defensora das liberdades individuais está sendo, mais uma vez, atacada.

Cada lado nesse conflito precisa ser avaliado não apenas pelo que expressa em seu governo atual, mas também pelo que sua trajetória política e jurídica expõe enquanto organização social.

O Estado de Israel configurou-se como uma democracia plena, tanto quanto é possível sê-lo dentro das limitações e imperfeições humanas.

O modelo democrático do Ocidente não é apenas um regime político ocidental, mas um regime político adequado ao processo de amadurecimento político de qualquer civilização.

O que entendemos por democracia, porém, não é um mero conceito que pode ser instrumentalizado na retórica populista de líderes atrasados e obtusos.

O espírito democrático de um povo é seu anseio por liberdade e justiça, pela igualdade através de normas e pelo livre comércio entre as nações que, em assim se relacionando, optam pelo diálogo e pelas trocas, em detrimento da beligerância e do expansionismo que leva à destruição e ao sofrimento.

A posição do mundo livre e a posição do Brasil

O Ocidente assentou o seu projeto político nas boas ideias de equidade e liberdade. Ainda que não sejam totalmente cumpridas, as metas e os ideais que norteiam as civilizações livres sinalizam aquilo que vai no íntimo de seus cidadãos, como um germe em maturação de uma sociedade mais justa.

Ao nos transpormos para o lado da barbárie, perdemos o prumo e o norte adequado de conduta; ao compactuarmos com regimes tirânicos e despóticos, abrimos mão das conquistas civilizacionais que já deveríamos ter internalizado.

A posição do Brasil frente a um conflito bélico dessa magnitude deveria ser nem tanto a neutralidade, mas a aceitação do óbvio comprometimento da nossa nação com aquelas outras cujas bandeiras se erguem em defesa dos direitos humanos e das liberdades individuais.

Não é esse o caso do Irã, não é o caso da China, não é o caso da Rússia, não é o caso da Venezuela, para citarmos apenas alguns dos países em relação aos quais a diplomacia brasileira tem não apenas contemporizado, mas também se acumpliciado.

Após o ataque do Irã a Israel, o mundo livre respondeu em uníssono condenando o Irã e respaldando Israel:

Condeno os ataques do Irã nos termos mais fortes possíveis e reafirmo o firme compromisso da América com a segurança de Israel”, escreveu o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.

Condeno nos termos mais veementes o ataque imprudente do regime iraniano contra Israel. Estes ataques correm o risco de inflamar tensões e desestabilizar a região. O Irã demonstrou mais uma vez que pretende semear o caos no seu próprio quintal”, escreveu primeiro ministro do Reino Unido, Rishi Sunak.

O ataque ao território israelense que o Irã lançou esta noite é injustificável e altamente irresponsável. O Irã arrisca uma nova escalada na região. A Alemanha apoia Israel”, escreveu o Chancelar da Alemanhã, Olaf Scholz

Condeno nos termos mais veementes o ataque sem precedentes lançado pelo Irã, que ameaça desestabilizar a região. Expresso minha solidariedade ao povo israelense e o empenho da França na segurança de Israel”, escreveu o presidente Francês, Emmanuel Macron.

A Austrália condena os ataques do Irã a Israel esta manhã. O Irã ignorou o nosso apelo, e o de muitos outros países, para não prosseguir com estes ataques imprudentes. Qualquer pessoa que se preocupe com a proteção de vidas inocentes deve ser contra estes ataques”, escreveu o primeiro-ministro da Austrália.

O Gabinete do presidente Javier Milei expressa sua solidariedade e compromisso inabalável só o Estado de Israel, frente aos ataques iniciados pela República Islâmica do Irã. A República argentina […] respalda enfaticamente Israel na defesa de sua soberania, em especial contra regimes que promovem o terror e buscam a destruição da civilização ocidental”, escreveu o presidente argentino.

Agora vejam a diferença de tom da nota pífia do nosso Itamaraty:

O Governo brasileiro acompanha, com grave preocupação, relatos de envio de drones e mísseis do Irã em direção a Israel, deixando em alerta países vizinhos como Jordânia e Síria. Desde o início do conflito em curso na Faixa de Gaza, o Governo brasileiro vem alertando sobre o potencial destrutivo do alastramento das hostilidades à Cisjordânia e para outros países, como Líbano, Síria, Iêmen e, agora, o Irã”.

A nota usa o eufemismo “envio de drones e mísseis” para substituir ataque e, logo em seguida, justifica retoricamente o ataque ao sugerir que se trata de uma resposta a um suposta alastramento de hostilidades provocado por Israel. Para um bom leitor fica claro que a nota culpa Israel por ter sido atacado.

O que esperamos do Brasil não é uma participação bélica decisiva, mas uma postura equilibrada, condizente com a nação livre que ainda somos e que almejamos continuar a ser.

Não podemos, portanto, naturalizar a diplomacia irresponsável do atual governo brasileiro que se coloca em linha de sintonia com as teocracias e ditaduras do oriente, com o expansionismo do tirano russo e com os grupos terroristas islâmicos.

Israel é um escudo contra o terrorismo islâmico

O islamismo, por mais que tentemos escusá-lo enquanto religião, é uma filosofia de vida opressora, que visa não à emancipação do ser humano, mas à sua subjugação. Ao justificá-lo reiteradamente, chegamos ao ponto de renegar nossos valores que lhes são incompatíveis.

A antítese do islamismo não é o judaísmo, mas é qualquer religião que aponte para uma verdade mais alta do que o tribalismo que ainda mobiliza seus fervorosos adeptos. O islamismo é uma religião tribal; enquanto não passar por uma reforma, continuará sendo incompatível com os valores fundamentais de uma sociedade aberta.

Se hoje o Islã se choca contra os judeus, amanhã ele se chocará contra toda a civilização cristã porque o projeto de dominação apregoado é o da dominação total e não o da pacificação inter-religiosa.

O Estado de Israel é ainda um anteparo contra esse choque de civilizações. É ele que recebe a carga de ódio dos que querem servir ao profeta derramando o sangue dos infiéis. Se Israel cair, o mundo estará mais vulnerável ao extremismo bárbaro do fundamentalismo islâmico.

É irresponsável compactuarmos ideologicamente com pensamentos liberticidas como estamos fazendo nos dias atuais. As críticas, muitas vezes pertinentes, a processos históricos injuriosos contra povos marginais não pode ser pretexto para uma denegação absoluta dos nossos próprios valores.

O Ocidente precisa se reencontrar em seu equilíbrio humanitário, sem ceder às ideologias que negam a história espiritual do próprio Ocidente. O niilismo moderno foi um terreno fértil para a colonização de mentes por religiões políticas. Lutamos não apenas por segurança. Lutamos pelos princípios eternos de justiça e liberdade.

Terrorismo tempera salada russa da desinformação de Putin no Ocidente

Esta semana, o governo russo atualizou para 143 o número de mortos no atentado terrorista no Crocus City Hall, casa de espetáculos da periferia de Moscou. Há 182 feridos, mais de 80 deles hospitalizados. Segundo informações do portal russo Baza, 95 pessoas permanecem desaparecidas. Até agora, 11 pessoas foram presas por envolvimento no crime.

As imagens são aterrorizantes. Os terroristas entraram numa casa de espetáculo atirando a esmo contra civis, incluindo crianças. A autoria foi assumida pelo Estado Islâmico, mais precisamente a ramificação Estado Islâmico do Khorasan.

Para muitos pode parecer algo surpreendente ou inusitado. Não é. A Rússia talvez seja a única força eficiente para conter o jihadismo islâmico, com amplo sucesso em ações no continente africano. Por isso, é vista como grande inimiga do ISIS e de diversos outros grupos do tipo. Eles já cometeram diversos atentados contra o país.

Em 2022, o Estado Islâmico explodiu a embaixada da Rússia em Cabul, no Afeganistão, matando 4 funcionários. Antes, tinha feito um ataque ainda mais sangrento. No ano de 2015, 224 pessoas morreram quando o Estado Islâmico explodiu um avião russo que decolava do Egito. O grupo também considera a Rússia responsável  por sua derrota em guerras como a do Afeganistão e da Chechênia.

Aí existe uma outra nuance ainda mais complicada: o Estado Islâmico tem como seu pior inimigo o Talebã – acredite se quiser – e considera a Rússia como próxima desse grupo, considerado herege. O ISIS tem como objetivo estabelecer um califado, ou seja, uma nação governada de acordo com suas regras religiosas extremistas. O ideal é que essa seja a pátria mundial, mas ela começa aos poucos.

O início da ocupação foi na Síria e no Iraque, mas a derrota do ISIS ali é total, principalmente por causa da ação da Rússia em apoio ao governo sírio. Os terroristas decidiram buscar outros locais, como o Afeganistão e o leste do continente africano. Mais uma vez, a Rússia é um obstáculo.

O que ocorre no continente africano é bastante curioso. Caso tenha interesse em se aprofundar, fiz um artigo meses atrás para o Instituto Monitor da Democracia sobre este tema específico. O Grupo Wagner, braço de guerra privada de Putin, foi eficiente para varrer do continente africano diversas células do Estado Islâmico. O ditador matou seu aliado, que era o dono do Grupo Wagner, Yevgeny Viktorovich Prigozhin. A eficiência de suas forças indiretas no continente africano continua mesmo assim.

O Estado Islâmico já assumiu publicamente a autoria do atentado e é provável que venha a promover outros. Quando uma organização jihadista está perdendo territórios, é natural provocar terror para demonstrar poder e atrair mais adeptos.

Os Estados Unidos alegam que já haviam previsto a atividade terrorista naquela região e avisado o governo russo, que nada teria feito. Putin nega e agora usa o atentado para desinformação e demonstrações de brutalidade.

As imagens dos presos pelos atentados correram o mundo. Estão passando por audiências nos tribunais completamente arrebentados, espancados pelas forças de segurança russas.

Os suspeitos identificados seriam do Tadjiquistão: Dalerdzhon Mirzoyev, Saidakrami Murodali Rachabalizoda, Shamsidin Fariduni e Muhammadsobir Fayzov.

Fariduni tinha o rosto completamente inchado. Mirzoyev apareceu no tribunal com hematomas nos olhos. Rachabalizoda a mesma coisa, mas com a adição de uma faixa na orelha. Segundo as autoridades, um pedaço foi cortado na prisão. Fayzov chegou numa cadeira de rodas e parecia estar sem um olho. O governo Putin não disse claramente qual a ligação deles com o Estado Islâmico. Aliás, fez justamente o contrário.

Em pronunciamentos públicos, o ditador russo disse que havia indícios de participação da Ucrânia no atentado. Seria um veículo com placas ucranianas que foi utilizado pelos terroristas. Parece uma afirmação possível de ser verdadeira e circunstancial. Não é, é parte do sofisticado esquema russo de desinformação focado na guerra da Ucrânia.

A ditadura considera crime “fake news” sobre a guerra. Ou seja, contrariar o que Putin diz e condenar a invasão rende uma pena de cadeia. Mais recentemente, é também possível o confisco de bens de quem criticar a invasão da Ucrânia. Isso não cessa, mas diminui consideravelmente a produção interna de conteúdo sobre isso.

No Ocidente, Putin consegue a estranha façanha de ter apoio em todos os extremos políticos, seja de direita ou de esquerda. Esse mecanismo de jogar do nada uma informação sobre a Ucrânia é feito sob medida para radicais, que vivem divorciados da verdade. Eles não precisam ser convencidos, só precisam ser instigados à dúvida sobre uma realidade que rejeitam.

Como querem acreditar que a Ucrânia invadida é o bandido e a Rússia invasora é o mocinho, os radicais se agarram a qualquer fio de narrativa que os afaste da realidade. Esta semana, a Rússia fez bombardeios de mísseis contra alvos civis na Ucrânia, incluindo uma faculdade. O radical vai desprezar essa informação e focar na história de que a Ucrânia é terrorista e faz atentados na Rússia. No Brasil, isso pegou principalmente na esquerda mais abastada. Perguntados sobre o atentado, vários têm impressão de que a Ucrânia está envolvida.

Ao mesmo tempo, Putin lança um agrado para a extrema-direita na pauta de costumes. O ditador acaba de equiparar a militância LGBT ao terrorismo no país. É um passo extremo, jamais tomado nem pelas ditaduras teocráticas mais duras.

A criminalização da homossexualidade, que é deplorável, existe em vários países do mundo, principalmente nas ditaduras teocráticas. Putin entrou num outro patamar agora, endurecendo ainda mais sua escalada de década contra homossexuais. Não é mais só crime, é terrorismo.

Veja o que ocorreu com os terroristas no caso do teatro, é o mesmo que pode acontecer com militantes LGBT. Por incrível que pareça, tem gente aqui no Brasil e em outros países ocidentais apoiando isso. Argumentam que a militância está tão agressiva e tão eficiente ao impor suas crendices à sociedade que alguém precisa parar com isso. As pessoas não ligam que a solução seja um ditador equiparar militância política a terrorismo.

Vladimir Putin acaba de vencer novamente eleições fraudadas. Observadores internacionais dizem que foi a mais fraudada que presenciaram por ali. A diplomacia brasileira, também presente, atesta que houve normalidade. Ele vai agora bater o record de Joseph Stálin como governante mais longevo da Rússia. Stálin permaneceu 26 anos no poder, Putin chegou em 1999. Ambos trabalharam fortemente para moldar o pensamento das elites ocidentais. Os ditadores russos aprenderam muito bem como a desinformação é poderosa, os ocidentais não aprenderam nada.

Foto: AFP

Navalny: o sopro de liberdade que desafia Putin

Um homem foi enterrado na Rússia. Chamava-se Alexei Navalny. Em circunstâncias adversas, sob frio intenso, sob ameaça de retaliações e prisões, uma multidão esteve presente nos rituais fúnebres para as derradeiras homenagens àquele que denunciou a corrupção e a tirania do Kremlin e que ousou desafiar o poder de Vladimir Putin, pagando o seu ato de coragem com a própria vida.

A morte do opositor era esperada. Putin já o havia mandado envenenar em 2020. O filme “Navalny”, produzido pela CNN e que, em 2023, ganhou o Oscar de melhor documentário, traz os detalhes dessa tentativa de assassinato, contextualizando o episódio do envenenamento e mostrando os bastidores da vida do político até a sua prisão.

Mesmo sabendo que certamente seria preso e que sua vida estaria novamente em risco, Navalny tomou a decisão de deixar a Alemanha e retornar à Rússia tão logo sua saúde foi reestabelecida. Ele foi detido assim que desembarcou em Moscou e, durante três anos, esteve submetido a frio, fome e a um confinamento opressivo na colônia “lobo polar”, uma remota e inacessível prisão, localizado na Sibéria, onde a temperatura se aproxima de -40°C no inverno.

A sua prisão provocou uma onda de protestos, seguida de dura repressão, com cerca de 1600 pessoas detidas. Os russos foram corajosos, naquela ocasião, e também neste 1 de março de 2024, quando cantaram, em frente à igreja onde seu corpo foi sepultado: “Você não teve medo e nós não temos medo”.

De que lado estamos?

O mundo livre está cada dia mais preocupado com Putin. O tirano já deu provas de que seu método é a crueldade, tanto na política externa quanto na política interna. A invasão da Ucrâniae o modo com Navalny e seus outros opositores sucumbiram, expõe o caráter reprovável do chefe do Kremlin e faz um chamamento à consciência daqueles que buscam se posicionar diante dos conflitos bélicos atuais e das ideologias.

É preciso reavaliar posicionamentos políticos a partir da recuperação de princípios básicos, mesmo que o evento em questão não nos toque particularmente enquanto brasileiros. Somos seres humanos, não somos? Precisamos, pois, repudiar a cumplicidade com ditadores que desprezam os direitos humanos e cujas ações dizem respeito mais à tentativa de manutenção de um poder do que à salvaguarda do indivíduo diante dele.

O mundo se posiciona hoje em torno de duas tendências díspares: uma tendência autoritária e autocrática e uma tendência democrática e liberal. Pela forma como os políticos se movimentam em torno das figuras proeminentes desse mundo em conflito podemos avaliar o teor de suas próprias tendências.

Por que o nosso país não se posiciona conforme as democracias consolidadas do Ocidente, mas apoia em discursos e em gestos as tiranias em voga e em vias de formação?

É vergonhoso e deplorável o alinhamento do Brasil com a Rússia e o cinismo com que o presidente Lula tratou a morte do principal opositor do autocrata russo, ao comentar que a morte estava sob suspeita e que era preciso fazer uma investigação para dizer que “o cara morreu disso ou daquilo”.

A liberdade criadora de Alexei Navalny

Em artigo publicado no jornal suíço Neue Zürcher Zeitung, Andreas Rüesch escreve que o destino de Alexei Navalny revela muito sobre a Rússia de hoje. Putin, escreve o ex-correspondente no NZZ em Moscou, “garantiu o seu lugar nos livros de história como o tirano que mergulhou a Rússia na ruína com a guerra megalomaníaca contra a Ucrânia. Inextricavelmente ligados a isto estão os crimes contra os adversários como Navalny. O seu caso cristaliza o mal que está corroendo a Rússia. O país está consumido pela corrupção e a sua elite está enriquecendo a um nível que teria sido impensável mesmo nos tempos soviéticos”.

O artigo segue explicando que o país está sufocado, perdendo os seus melhores talentos e afirma que “a Rússia precisa, como o ar para respirar, de uma capacidade de organização como a de Navalny.” O ar que Navalny respirava e que ele soprou na Rússia chama-se liberdade.

Todos os países deveriam orgulhar-se de um conjunto criativo de energia como Alexei Navalny”, escreveu Andreas Rüesch. “Ele não era um político comum; ele revolucionou o trabalho da oposição com sua originalidade, novos métodos de pesquisa, talento organizacional e uma refrescante dose de humor. Além disso, ele era acessível no contato pessoal, com graça e sem pedantismo. Navalny tinha carisma, uma qualidade que falta a toda a equipe do Kremlin. Pessoas como ele vão longe em países livres. Na Rússia eles estão morrendo”.

Testemunho x ideologia

Os que querem ver a Rússia como o império glorioso de outros tempos não entenderam ainda que a verdadeira grandeza é a do espírito e que a grandeza do espírito humano só se expressa na liberdade. A nação que a sufoca perece em vez de se engrandecer.

Milhares de russos afrontaram Putin e prestaram as últimas homenagens a Alexei Navalny, expressando deferência àquele que pereceu por um ideal e que fez ressurgir nos jovens a coragem de lutar para ser livre.

Nenhum tirano é capaz de sufocar o desejo humano por justiça e liberdade e nenhum poder temporal é capaz de arrefecer o ânimo de luta política daqueles que são movidos por verdadeiros valores.

Para aqueles que estiveram presentes no velório, Navalny não era apenas um corpo inerte e inanimado, ele representava a coragem e o vigor daqueles que compreendem que a justiça só se conquista com valor e testemunho.

Testemunhar é agir de acordo com a verdade apregoada; é fazer a vida dar sinal do discurso e modular o discurso em consonância com a vida. Testemunhar é assumir os riscos das escolhas e aceitar a dor das consequências; é elevar-se além do raciocínio pragmático do autointeresse e das contradições das ideologias.

Ideologias não induzem ao testemunho, mas ao fanatismo. A ideologia conduz a uma ação cega, obnubilada, obcecada e, por vezes, cruel, em nome de uma crença não refletida, mal assimilada e descolada da verdadeira natureza das coisas.

O testemunho, pelo contrário, conduz à superação do fanatismo e do egoísmo porque, estando em consonância com a verdade, abre espaços de reflexão mais profundos, mais espiritualizados, mais sublimes. O verdadeiro testemunho é aquele que se eleva aos verdadeiros valores. O ato heroico não se coaduna com a mediocridade nem com a vilania.

O verdadeiro homem e o falso líder

Não temos mais tempo para falsos heróis ou falsos profetas. Nossa época clama por homens reais, como Alexei Navalny, cuja autenticidade inseriu valor na ação política, reunindo, com o seu sopro de liberdade criadora, as vontades dispersas e difusas.

Homens reais e autênticos são mais veneráveis que falsos mitos que se autoproclamam líderes e conduzem as massas. A diferença é sutil. Mas aqueles que estiverem atentos haverão de reconhecer e separar o verdadeiro homem do falso líder. Os nossos falsos líderes estão hoje ao lado do tirano que assassinou um verdadeiro homem.